Direção de Arte – um Conceito

Eu nunca fiz um trabalho que fosse somente cenografia ou só o figurino. Desde muito cedo me conscientizei de que, para ter um controle do meu trabalho, para fazer uma coisa mais eficiente, eu teria de saber do que seria o fundo e a forma.

Anísio Medeiros

O que une uma equipe de produção de Cinema é a criação de um universo visual, rítmico e sonoro especial, que ofereça ao espectador a vivência de uma narrativa. Instrumento essencial da composição do espetáculo, a direção de arte atua sobre um dos componentes centrais de construção da linguagem cinematográfica: seu aspecto espaço-visual.

Quando falamos em direção de arte, estamos nos referindo à concepção do ambiente plástico de um filme, série ou tantos outros suportes de linguagem, compreendendo que este é composto tanto pelas características formais do espaço e objetos quanto pela caracterização das figuras em cena. Numa peça audiovisual, a partir do roteiro, a direção de arte baliza as escolhas sobre a arquitetura e os demais elementos cênicos, delineando e orientando os trabalhos de cenografia, figurino, maquiagem e efeitos especiais. Colabora, assim, em conjunto com a direção e a direção de fotografia, na criação de atmosferas particulares a cada momento do filme/série e na impressão de significados que extrapolam a narrativa.

Diz a historiografia especializada que o Cinema norte-americano inaugurou a função de direção de arte, ou production design, em 1939, no filme “E o vento levou, de David O. Selznick. O trabalho realizado pela equipe de William Cameron Menzies, que desenhou quadro a quadro a produção a ser realizada, descrevendo nos mínimos detalhes todos os elementos que comporiam os enquadramentos, levou seu produtor à definição da nova função na produção cinematográfica: o(a) production designer, conhecido(a) no Brasil como diretor(a) de arte. Os e as profissionais de cenografia, figurino, maquiagem e efeitos especiais que, até então, criavam e produziam seus trabalhos articulados diretamente pela direção e/ou produção passaram a seguir a orientação da direção de arte, numa abordagem especializada e global da espacialidade e visualidade da obra.

No Brasil, a adoção dessa figura é algo recente. A geração de profissionais da cenografia em atividade nos anos 1960 e 1970 foi marcada por pessoas da área que passaram a assumir a concepção e a produção do figurino, além da orientação sobre a maquiagem, sem por isso receber um crédito especial nos programas ou fichas técnicas, como foi o caso dos cenógrafos e figurinistas Flávio Império, Anísio Medeiros, Régis Monteiro e Luiz Carlos Ripper, entre outros, a quem costumo chamar de precursores da direção de arte na produção cinematográfica brasileira.

Sobre a origem do ofício, o professor e diretor de arte Benedito Ferreira dos Santos Neto (2019), em pesquisa recente, traz novas descobertas que alteram informações contidas na primeira edição deste livro. Em sua dissertação de mestrado, ele propõe: “É provável que a primeira produção a designar o crédito de diretor de arte seja “El Justicero (Nelson Pereira dos Santos, 1967), que conta com a direção de arte de Luiz Carlos Ripper”.

Porém, apenas nas décadas de 1980 e 1990, a atividade toma corpo e reinventa a estrutura de trabalho até então vigente. Em 1980, Yurika Yamasaki assina a direção de arte do filme Gaijin: os caminhos da liberdade, dirigido por Tizuka Yamasaki, tornando-se a primeira mulher brasileira a ser assim creditada nas telas, como ressaltam Tainá Xavier e India Mara Martins (2021). Em 1985, Clóvis Bueno, contando com a colaboração de Felippe Crescenti na cenografia e Patrício Bisso no figurino, faz a direção de arte do filme “O Beijo da Mulher Aranha, dirigido por Hector Babenco. No mesmo ano, Adrian Cooper figurou com o mesmo título nos créditos de A Marvada Carne, de André Klotzel, tendo como colaboradores Beto Mainieri e Marisa Guimarães, respectivamente, cenógrafo e figurinista. Atualmente, a formação do departamento de arte, sob a coordenação desse profissional, tornou-se constante na estrutura da produção nacional. Recentemente, a categoria tem trazido ao debate outras possibilidades para a intitulação desse crédito, visando uma maior compreensão entre os pares internacionais: direção de arte ou desenho de produção (tradução do termo production design), desenho de cena ou design de cena são também opções que hoje se apresentam.

A influência de seu trabalho é ampla. Suas propostas atuam estruturalmente na construção da cena, ao mesmo tempo que a composição plástica opera em diferentes camadas da percepção. O desenho do espaço cênico e sua ambientação estabelecem pontos de referência para a ação prevista, assim como para a iluminação, enquadramentos e movimentos de câmera, agindo diretamente sobre a coreografia da cena. O espaço e os objetos contracenam com os atores na construção da ação, enquanto o quadro é redesenhado a cada movimento.

Por sua vez, a configuração arquitetônica e visual gera entendimentos cognitivos ligados diretamente à narrativa, como interpretações simbólicas, históricas, sociais, psicológicas, etc. Ao mesmo tempo, em ação sinestésica característica do Cinema, suas propriedades plásticas provocam os sentidos sensoriais do público espectador, atribuindo novos significados à experiência.

A construção de um universo físico-visual coerente com a abordagem original do projeto, junto à direção e demais parceiros de criação, é o objetivo do trabalho da direção de arte. Extrapolando o chamado “padrão de beleza”, o “belo” cinematográfico está ligado à criação de conflitos espaço-visuais que tornem a imagem instigante, a ponto de envolver o público naquilo que vê, fazendo-o imergir na realidade do mundo ficcional que lhe é apresentado.

Vera Hamburger

Trecho da Apresentação do livro “Arte em cena, a direção de arte no cinema brasileiro“. Editora SENAC e SESC Edições. 2014. Prêmio Jabuti 2015.

Arte em Cena - a direção de arte no cinema brasileiro

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