Desde o começo sentimos que a realidade não é a materia prima de EMILIA PEREZ e sim o cenário para uma celebração.
A mágica do cinema musical tem suas regras que, obedecidas, transformam a realidade em algo além do real, em representação do real.

Os atores podem cantar para dizer o que sentem que o público registra e aceita a proposta.
Mas…..os mexicanos se ofenderam com este filme europeu porque não se reconhecem nele, nesta caricatura a que foram reduzidos. A identidade passional deste povo mesclado de índios e espanhóis não está aí.

Seria reveladora a experiência de eliminar as cenas musicais de EMILIA PEREZ e assim descobrir o melodrama noir que jaz sob todo o “distanciamento teatral” que Jacques Audiard impôs ao seu filme.
Tudo diminuiria de tamanho e aquele excesso narrativo que transborda de seus 130 minutos teria que se acertar com um tempo mais justo e coerente.
A ausência da música não significaria grande perda já que sua qualidade é mínima, mas a boa energia dos atores seria afetada, sobretudo o brilho extraordinário de Zoe Saldana e isto seria um outro filme e não este que estamos assistindo com suas 13 indicações ao Oscar.   
                                                                
O filme que vemos se beneficia de uma pauta da atualidade que discute o transgênero como um gesto de libertação e isto o torna mais “moderno” do que ele realmente é. Não sei se este objetivo foi alcançado além da bilheteria porque a discussão mais séria ficou pela metade na estória que foi contada. Porém, (tem sempre um porém), a “ousadia” de seu discurso talvez mereça louvor. Elogio mesmo somente para Zoe Saldana.